Os MiseráveisDepois de cumprir pena de 19 anos de trabalhos forçados por ter roubado comida, o protagonista da história, Jean Valjean, é acolhido por um religioso que através de um gesto nobre, mas suspeito, lhe devolve a fé. Após alguns anos ele se torna um grande político e empresário na França de 1800 e passa a ajudar várias pessoas, entre elas uma pequena menina e sua mãe. Entretanto um dos guardas da penitenciária o reconhece e começa uma grande caçada. Naquele tempo, Paris era uma cidade cercada por muros, e sua entrada somente permitida àqueles que pagassem seus impostos. A vida hoje não é tão dura assim, mas a segregação entre ricos e pobres, a mesma da Idade Média na Europa, ainda é realidade. Os ricos, cada vez mais ricos, se defendem dos miseráveis. De várias maneiras. Algumas ostensivas, outras sutis.

Enquanto nos tomamos impassíveis às mudanças, parte dos grandes estaleiros da Europa implantaram sistemas de produção baseados em processos mais avançados e, embora tenham um custo inicial mais elevado, tem se mostrado o caminho certo para o desenvolvimento desta indústria. Dificuldade sempre existiu neste mercado, e isto pode ser ouvido de qualquer construtor que esteja a mais de dez anos no negócio de barcos, mas certamente isso não deve diminuir o ímpeto por mudanças.
Algumas rápidas comparações são ilustrativas. Os três maiores fabricantes de barcos a motor da Inglaterra: Princess, Fairline e Sunseeker automatizaram a linha de construção com técnicas de infusão. As três empresas juntas em 1990 construíram 1.600 barcos utilizando 2.500 funcionários com um faturamento de 300 milhões de Euros. Hoje eles produzem menos barcos, apenas 900, utilizando 3.500 pessoas, mas com um faturamento de 1 bilhão de Euros.

Na Itália, Azimuth e Ferretti, que já foram a mesma empresa, representam hoje juntas um volume de vendas de 1.5 bilhões de Euros, sendo que a Azimuth tem hoje em caixa um volume líquido de depósitos de 95 milhões de Euros. Atualmente as duas juntas projetam um total de vendas para o final deste ano na casa de 2 bilhões de Euros.

Na França, Jeanneau e Beneteau, rivais em 1990, produziam em média dois mil barcos à vela com 1.500 pessoas e um faturamento de 100 milhões de Euros. Hoje, as duas empresas, parte do Grupo Beneteau, empregam a maior força de trabalho no mercado náutico, com quatro mil funcionários e produzem 12 mil barcos, com um volume de 900 milhões de euros.

É provável que se juntarmos todos os estaleiros brasileiros não cheguemos sequer a uma soma próxima dessas. Mas no mercado náutico mundial, assim como a segregação de pobres e ricos, descrita no livro “Les Misérables”, a história parece sempre a mesma, os pobres ficando do outro lado do muro carecendo de apoio, guia e abrigo. Quem sabe estamos indo cada um para um lado, mergulhando em um vazio que absorve tantos destinos solitários, onde na sombria marcha do se humano desperdiçamos sucessivamente tantas oportunidades.