Publicado : Revista Boat Shopping

O ABC da NBR - NORMA TÉCNICAVamos imaginar que você esteja navegando a umas 10 milhas da costa, fazendo uma pequena travessia, ao cair da tarde. Você está sozinho a bordo, e depois de ligar o piloto automático e descer do comando para ir até a cabine pegar um casaco, nota que existe bastante água no fundo do barco, com o nível dela acima do piso da cabine. Como primeira providencia você reduz a velocidade e tenta ver por onde a água está entrando. Sem conseguir solucionar o problema rapidamente, aciona as bombas de porão e informa pelo radio sua posição. Em seguida coloca o barco de proa para a marina mais próxima que encontra no GPS.

Por sorte a distância pode ser coberta em menos de uma hora, e o gerente da marina informa que pode ter um guindaste pronto para subir o barco se for necessário. Em pouco tempo a situação parece ter se tornado uma emergência, pois as bombas de porão não conseguem dar vazão ao alagamento e um dos motores acaba de parar. Por sorte o barco chega a tempo de ser içado e logo em seguida é possível ver uma trinca no fundo do barco, por onde litros de água embarcaram sem serem convidados. Felizmente você é um marinheiro experiente e consegue evitar a perda do barco e um possível naufrágio a uma boa distancia da costa. O resultado disto seria terrível.

Esta historia triste, entretanto não termina aqui.

Com o barco em seco e a salvo, o gerente da marina, que tem anos de experiência em construção, vistoria o local e descobre que boa parte da estrutura não segue a norma NBR-14574, que detalha os requisitos mínimos de construção para barcos de recreio até 24 metros de comprimento. Com um pouco mais de tempo se descobre que para colocar um novo banheiro parte da estrutura do casco foi suprimida e a espessura do fundo do barco reduzida, e por isto houve um descolamento consecutivo da antepara e da longarina do banheiro e finalmente apareceu uma rachadura no casco.

Certamente a sua reação deve ser a seguinte: “Impossível isto ser verdade! Este é o meu segundo barco e eu confio muito no construtor. Como pode isto ter acontecido?”. Bem, se o gerente da marina avaliou o problema baseado nas informações da NBR, então as chances que ele esteja certo no seu veredicto são grandes. Se você ligar para o construtor original e ele gaguejar quando você perguntar se a construção do seu barco segue a norma NBR, então provavelmente você terá certeza que o gerente da marina está realmente correto. Bem, e agora o que fazer com o barco? Nós voltamos a este assunto mais tarde.

A primeira edição da NBR-14574 foi desenvolvida pela ABNT no inicio do ano 2000 e hoje passa pela sua primeira revisão. A ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas, fundada em 1940, e ligada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comercio Exterior tem a função de desenvolver normas voluntárias para satisfazer os requisitos da indústria e dos consumidores finais. A ABNT possui mais de 150 comitês e milhares de normas que cobrem diversos setores da atividade industrial e serviços. A ABNT é membro fundador da ISO (International Orgaization of Standarization).

Embora a maioria das pessoas não note que sempre por trás de algum bom produto ou serviço existe algum tipo de normatização, ela pode gerar uma série de benefícios na maioria dos aspectos de nossas vidas. São as normas que asseguram qualidade, eficiência, confiabilidade e também economia dos produtos. Quando colocamos caixas de suco, garrafas de água, e embalagens que encaixam perfeitamente nas prateleiras de nossa geladeira, aceitamos isto como se fosse uma coisa normal, e jamais percebemos que existe uma norma por trás, entretanto, é fácil notar quando as normas estão ausentes e você tem toda a sorte de problemas com um produto. Certo?

A NBR-14574 possui 15 capítulos que descrevem os critérios mínimos da construção da estrutura do casco, sistemas elétricos, sistemas hidráulicos e motorização, tanques de combustível, sistemas de rede e tubulações, sistemas de combate a incêndio, e mais recentemente a adição do numeral de identificação do casco, medição das características principais da embarcação e informações para a correta confecção do manual do proprietário.

Durante mais de 8 meses uma série de engenheiros, fabricantes de barcos, técnicos de construção, projetistas, fabricantes de motores, equipamentos, matérias primas, servidores públicos, universidades e a sociedade em geral estão empenhados em produzir a revisão da norma. Da mesma forma que os Estados Unidos possuem a norma da ABYC – American Boat and Yacht Council, a Europa as normas da CE (Comunidade Européia) e da ISO, de uso voluntário, baseado no consenso entre as partes, o Brasil possui as recomendações da ABNT.

De volta ao construtor do barco, talvez fosse interessante que ele tomasse conhecimento dos requisitos mínimos para construir ou modificar a estrutura do seu próximo barco, quando fosse adaptar um banheiro maior. O uso da NBR no final proporciona um melhor entendimento do processo construtivo e assegura maior confiança e segurança na construção de uma embarcação.